domingo, 24 de abril de 2011

CÂNDIDAS MÃOS

Rudes no toque.
Grossas, calejadas.
Manejando o arado,
Lançando  sementes.
Milho, feijão, arroz
e  muitos filhos.

Num movimento
que só elas sabiam.
O leite transbordava
do balde: branca espuma
de um mar que não existia.

Seu cavalo, seu chapéu,
sua capa de chuva.
Um chicote, uma garupa.
Filhos partindo.
Outros chegando.

É Natal. Sob a cama,
bordado de passarinhos,
um piano amarelo.
Mãos tão pequeninas
descobriam as notas musicais.

Lá em cima, no curral,
Papai Noel fazia jorrar
o leite através de
suas maltratadas mãos.
Os sons se misturam.
Rudeza e ternura.

Encantamento
de um momento
impresso, em cores fortes,
na tela da memória.
Suas cândidas mãos sofridas,
 talvez, quem sabe,
enrijecidas, embrutecidas,
distanciaram-se.
Não me alcançaram.
Cresci.

Selma Monteiro


Valença, 2008

2 comentários:

  1. ´Poeta´ vem do termo ´poiesis´, justamente: criar, inventar, fazer. Por uma história de um neurótico, ninguém passa, só assiste; por uma história de poeta, muitas outras histórias passam. Com sua posição de responsabilidade ética, e por sua estética aberta, generosa, o poeta faz com que nós também nos livremos das auto-acusações acachapantes e nos arrisquemos a inventar soluções mais singulares a nossos desejos. JORGE FORBES - www.jorgeforbes.com.br

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  2. É de Freud a frase: "Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim."

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